11/28/2006

SATISFAÇÃO

Eu deveria ser delicada mas vou ser curta:
Cansei de ser pu.eta!

Ervas-daninhas reconfigurem o jardim das minhas vaidades.

9/27/2006

Quero o teu maior segredo
O teu mais frio medo
Teus desesperos e desafinos
Dedilhe em mim tua canção inédita
Menino, eu canto.
Canto pra você não dormir.
Menino, eu canto.
Canto pra você dançar teus sonhos.
Canto pra você dispersar rebanhos.
Eu te canto, menino.

Cópia

Que todo pedido tenso
Seja atendido e pronto
Que todo desejo tinto
Seja bebido puro
Destilo palavras
Condenso devaneios
Busco a essência de ser e estar
Em um laboratório de versos
Em um cenário complexo
Em tua mente que ferve
Serei cópia de mim mesma?
Devo levar-me à mesa
Perguntar ao que me consome
Qual é mesmo o meu nome?
Viver, enfim, para que serve?



9/23/2006

Não quero escrever
Quero que tudo se apague
Versos. Velas. Olhares
Que só persista a rasura
O rabisco
O rough
O erro
O tropeço
A gafe
Esta poesia é rascunho de si mesma.


Quero ser mais do que cabe em mim
Quero alguém que me caiba
Da cabeça à cauda
Alguém que me consuma sem pressa
Sem vergonha. Segredo. Ou promessa.

Sou copo cheio implorando pela gota d'água.

9/22/2006

Encomenda










Dá-me um amor-destino
Que não seja resistente
Que não se contente com metades
Um amor-de-repente
Um amor-desatino
Um amor que sinta de verdade
Dor. Sangue. Gemidos
Um amor que queira ser penetrado
em todos os sentidos.

Ponto

Sou ponto em meio às reticências
Sou ponto só
E, só, quero ser e estar

Nao vou insinuar promessas
Explicar o que não interessa
Nem colorir as telas de Seurat

Tenho sede do fim
E de tudo o que venha após mim
Condeno ladainhas ao precipício

Meu medo é o mesmo

Minha fé é a morte
Meu desejo, o início.


Amor de ponta

Nasci alfinete.
Que sina.
Como se ama assim?
Quem ama fere, espeta, arranha?
Enterra-se até o fim?


Minha cabeça é o limite de minha entrega.

9/13/2006

Ode ao travesseiro

Hoje vou fazer um verso
Para não passar em branco

Para me passar a limpo

Estou desconfigurada
Sopa de letras sem nenhuma poesia
To me dando de colher

Vou evaporar
no banho
Vou condensar na cama
Me entregar por inteiro àquele que mais me ama

9/08/2006

Entrega de beijos a domicílio
Leio nuvens
Overdose
Vou ligar.

9/05/2006

Beijos

Hoje eu fiz tudo certo

Espanei conceitos
Varri loucuras
Penteiei minhas asas de poeta

Não pinguei os is
Não ditei as regras
Não escrevi torto por linhas certas

Não tostei o texto
Não lixei o verso
Não ensopei lamentos

Será que mereço?
Um beijo?


Este é meu desejo
Um beijo e anexos
Um beijo complexo
Um beijo e seus complementos.

9/03/2006

Braile


Este poema é um convite
Recite ao pé do ouvido
Daquele que te tem
Mas não te possui


Este poema é feito de confissões na escada
Ensaiadas
De declarações em guardanapos
Guardados
De beijos na boca
Perdidos no rosto

Este poema está na estrada
Pedindo carona
Correndo riscos
Passando frio
Só para chegar até você

Leia com as mãos

Gravidade


Quando vejo um olhar cadente

Mentalizo um desejo tinto

Amo o forte

Me excita o frágil

A gravidade do choque

A vocação do corte

Na eminência dos cacos

Este olhar é taça em queda livre

8/30/2006

Autobahn

















É que meu coração ama demais

Procura-se uma canção para ninar um coração assim
Uma canção que adormeça um coração eufórico
E não provoque sonhos convulsivos


Amo por demais
Em 220
A 180
A todo instante

Meu coração acredita em tempos paralelos e reforma agrária
E em tudo que justifique sua entrega voluntária

Que sina ter um coração assim
Que segue o destino e ama o retrovisor
Que deseja as curvas mas quer seguir reto
Que conhece as leis e me dirige embriagado

Um coração que ama ser acelerado.



8/28/2006

A la carte

Meu coração promete longa vida
aos sentimentos perecíveis
Este poema me consome
conforme as instruções do verso
Validade vencida
Rótulo desfeito
Lacre rompido
Ingredientes de um dejà vu

8/26/2006

Prendas




















Almofada de alfinetes
Dos medos que me espetam
Escrevo como quem sofre

E não gosta
Escrevo como quem borda o enxoval de um novo desejo
Luvas. Meias. E laços de fita
Tudo perdido quando o desejo não couber em si.





8/23/2006

Luis XV

Não sei quem você é
Nem o que você sente
Nem me interessa o amor-carente

Já tive o amor-objeto
Direto
Animado
De desejo

O amor-beijo
De língua
De flor
E traição

Procuro agora um amor-capacho
Que adore me ver por baixo
E goze sob a pressão do salto
Alto


Um amor-precipício
Condenado desde o início à poesia
Verso. Rima. Cadência.

. Servidão. Obediência
E podofilia

8/18/2006

Tipofagia

Já quis ser aranha.
Borboleta não.
Hoje, não fosse mulher,
Queria ser traça.

Traças moram entre palavras
Alimentam-se de letras
E têm aversão a registros

Salvo o registro de sua arte

A arte da traça caminha no livro
Seu caminho é hipertexto


Para ler livros co-escritos por traças
É preciso saber ler a ausência
E se deixar envolver pela conexão sucessiva de ausências sobrepostas

A traça se expressa pela fome

E a fome é sua licença para devorar o livro
Quem condenaria uma traça ao pé da letra?

Não fosse traça
Queria ser letra,
escolhida e devorada,
na melhor parte da estória.

8/17/2006

Metablog

Eler disse...
Sou poeta de versos emprestados
Tecidos com palavras usadas
Tenho um coração de segunda mão
9:55 PM

Urbano Lumière disse...
Meu coração é um tanto mais vagabundo,

encanta-se com olhos e versos todos eles usados
(os versos, não os olhos)
em muitas labutas retórica
sem muitas frases e pictogramas.
Quanto aos olhos, basta que olhem
algum ponto de meus infinitos.
10:04 PM

Débora disse...
meus versos são vagabundos e sem métrica

o meu coração já foi usado em labutas e amores mal resolvidos
guardo em silêncio alguns versos
e um beijo que ainda não foi dado
11:21 PM

Eler disse...
Assim desejo morrer, meus amigos:

Metralhada por todos os beijos que nunca foram dados.
12:25 AM

Versos interrompidos

Hoje teimei em não escrever.
Um verso prematuro brotou em mim.

Tentei queimá-lo como verruga, com ácido.
Sinto que vou parir um poema interrompido.
Outra cicatriz no pergaminho que sou.
Meus versos alimentam traças e infelizes.

8/15/2006

O que as meias sabem sobre perda e solidão



Não importa que
você esteja perdida:
Seu par também está.

Mesmo que pareça impossível, acredite: Seu par existe.

(E pode estar
na mesma gaveta que você).

8/14/2006

NADA

Nada existe
A não ser o próprio nada
Nada é real
A menos que seja nada
Somos todos náufragos
Morrendo por nada
O que me faz viver
Se nada tenho a oferecer
E se de você
Não sei realmente nada?
Insisto nesta balela
Porque sempre surge algo
De onde nada se espera

Aneurismas 2

Não é tudo que me seduz
O que me seduz é a entrelinha
O intervalo
A reticência
A ignorância da ciência
O soluço
A porta semi-aberta

Coágulos de amores não resolvidos
Cápsulas de medo e quase

Aneurismas de escolhas comodistas
Em nome de uma história politicamente correta

Disto tenho medo.

8/13/2006

Catedral

Um dia o espelho me disse
És um vitral, menina.
Sorri colorindo as alturas.

Hoje percebi meu rosto escorrendo.

8/11/2006

Pautas binárias

Versos terroristas
Tomem a oração principal
Ocultem o sujeito composto
Vomitem as aspas

A partir de agora os verbos colorem em qualquer pessoa
Descarrilham nas entrelinhas de pautas binárias
Conjugam torto por linhas imaginárias

Declaro que toda oração é protagonista de sua própria fé.

Queima de corações em estoque


- És sapo.

- Teu beijo me fará nobre.

- És trapo.
- Teu corpo me fará útil.

- És fútil!
- Por isso me desejas.

Sou supérfluo, descartável e inútil.
Sou amor à terceira vista
Míope. Estrábico. Daltônico
Sou o oposto do amor platônico
Corpo. Fome. Pernilongo

Diria que és o sonho de uma vida inteira
(Não fossem o despertador, a insônia e a arrumadeira)

Toma!

É todo seu meu coração liquidado
Peça de mostruário embalada com carinho.
Esqueça o Serasa.

Podes já levar pra casa
E matar de inveja o teu vizinho.

Lua cheia














Esta vida é texto de muitas entrelinhas.
Este poema é face de muitos versos.

Gostaria de encontrar meu pretérito mais que perfeito.
Repartir as orações sem sujeito entre os sujeitos sem predicados.
Será esta minha sina?

Ser palavra-prima que só rima consigo mesma?
Meu desejo é cair na boca do povo.
É deitar letra e acordar música.
É deitar gente e acordar estrela.

É ser lua-cheia de mim
E dizer siiiimmm ao lobo-mau.

8/02/2006

Vírgulas

Estou vencida
Prazo de validade e paciência
Cansei de ser cura
Poesia de bula
Literatura de banheiro
Meu reino por um travesseiro!
Vou despir a pele
Tatuar os rótulos
Prosecco. Veneno. Remédio
Qualquer coisa pra brindar o tédio
Qualquer coisa que me ponha em risco
Uma dose de verdade
Uma taça de saudade
Um coquetel de asterico
Vou me entregar ao texto
Sem pudor
Sem pretexto
Sem ética

Morram, vírgulas, soterradas
Sob os escombros desta poesia epilética

7/14/2006

Aneurismas

Me afastas com os gestos e me sugas com olhos.
Como és bobo. Nem tens côrte.
Ouço teus pensamentos e lamento tua sorte.
Como és tolo. E ingênuo.
Qualquer dia, vou cravar-te as presas.
Devorar-te às pressas.
Consumir-te em veneno.

Três desejos de tua mente.

7/13/2006

Bobagens


Minhas bobagens, quando bem nutridas,
criam pernas em meus miolos de acém.
Tenho de arrancá-las feito ervas-daninhas
e
fazer chá de inconseqüência. Já tomou?
As bobagens que crescem em minha cabeça

são suicidas-sociopatas. Se as dou corda,
nunca sei se vão se enforcar. Ou se vão rodopiar
até o fim da música. São judas, isso sim.
Quem cultiva bobagens-judas colhe beijos-traíras.
Adoro beijos.
Há quem diga não conhecer, na literatura,

nenhuma bobagem que tenha morrido de viver.
Difícil encontrar bobagens verdadeiras hoje em dia.

A maioria é manufaturada na China. As sino-bobas.
Não se pode negar: uma bobagem que morre de viver é,
no mínimo, uma bobagem legítima.
Mas bobagem boa, boa mesmo, tem de ser feita a dois.

7/12/2006

Sanatório das vacas


Amigos! Amigos!
Comemorem comigo
O aniversário de minha sanidade

Seis dias sem chutar o balde
Doze horas sem sair dos trilhos
Dez segundos sem pensar bobagens
Devolvam-me à sociedade
Os delitos esperam por mim

7/11/2006

Sempre

Te adoro grisalho, menino
Me beijas como sorvete
Me envolves como molinete
Me amas como libertino
Mereces, sabes, meu novo figurino
Rendas. Prendas. Malícias
Convite ao jardim das delícias
Longa noite em desatino

Hoje.




7/10/2006

Ao repetente

Não tens escolha
Sou questão aberta
As respostas estão certas
As perguntas é que são tortas

7/08/2006

Posologia
Dá-me um amor epilético
Que convulsione idéias pré-concebidas
Sirva-me um amor em sumo
Ácido. Alcoólico. Eclético.
Que me ensine a falar com os poros
Que me faça perder o rumo
E me desbote com um não sonoro
Como se eu fosse pano.
Como se fosse cloro.
Um amor sem bula, com efeitos colaterais
Febre. Delírios. Hematomas.
Amor sem cura. Sem culpa. Sem tédio.
Um amor-remédio para um coração sem sintomas.
Um amor em coma para um coração sem remédio.

7/06/2006

Poema para o analfabeto

Não me craseie, meu amor. Não me craseie.
Sou artigo de luxo.
Amante do objeto. Direto.
Não sou complemento.
Sou acento.

Não me conjugue, meu amor. Não me conjugue.
Desconheces meu tempo e minhas anomalias.
Sou mutante. Ora consoante. Ora poesia.
Ninguém me rege.

Não me recite, meu amor. Não me recite.
Não conheces minha língua. Nem nada que me excite.
Não és transitivo. És apenas figurativo.
Um sujeito inexistente.

Não. O G nunca foi ponto.

7/05/2006


Grande exposição das fobias humanas

Nesta ala, embaixo da cama, o medo do bicho papão
E acima, sonhando acordado, o medo da solidão
À esquerda, tremendo de frio, o medo dos abraços falsos
E neste carro, no olhar desvio, o medo dos pés descalços

Aqui mesmo, ao meio dia, o medo da própria sombra
À meia noite, em anestesia, o medo da assombração

No subsolo, rastejando aflito, o medo das alturas
E à sete palmos, soterrado vivo, o medo da morte
Deste lado, de paixões atadas, o medo da loucura
E entregue, de mãos beijadas, o medo da própria sorte

Neste ambiente, à prova de rugas, o medo do tempo envelhece
E neste relógio, à prova do tempo, o medo de mudar permanece


Em cima do muro, bem-mal-me-quer, o medo da escolha
E no poder, decretando a censura, o medo dos pensamentos
Nesta mesa, abstêmio convicto, o medo do saca-rolhas
E, por fim, de coração invicto, o medo dos sentimentos

Quem não tem nada a temer que atire-se às torres.

6/24/2006

A experiência

Destilado meu eu complexo
Doutro lado insana essência
Parte de mim é sexo.

Parte de mim é ciência
Num laboratório de versos químicos.





6/21/2006

Clima

















Dia nublado sujeito a versos.
Te aguardo com fome de palavras doces e abraços fortes.

Que recheio terás hoje à tarde?
Licor, cinismo, reticências, sorte...
Que importa?
Não estás no menu.
Não te servem a la carte.

Façamos um brinde:
Ao jejum involuntário
Às nuvens carregadas
E ao medo das intenções

Beberemos até chover em versos.
Choveremos até versar em duplos.

Que nenhum guarda-chuva nos prive das precipitações.


Infrações semióticas

Sinal vermelho? Sou touro. Entendo "Venha!"

6/19/2006

Cafeína




















Parte de ti escoa
Parte de ti evapora
O que me resta

A não ser ir embora?

Maldita xícara que nunca esfria
Maldito aroma que me impregna

Quero beber-te, insônia
Quero tomar-te, menina

O desejo me consome.




Versos bárbaros

















Versos bárbaros,
Invadam meu poema esta noite
Libertem os vocábulos obscenos

Degolem todas as palavras de família
E tirem as mordaças dos adjetivos devassos

Vamos conjugar o verbo no deleite mais que perfeito
E espalhar o terror no glossário pudico
Destruir o Templo das Orações sem Sujeito
Anexar os Vulcões da Lascívia ao território dos Amantes Mornos

Palavras virgens, entreguem-se aos transitivos
Línguas mortas, ressuscitem na boca do povo

Que todos vejam:

Arrombamos os parênteses.
O poder está despido.
O pudor está deposto.

6/17/2006

Beijo Paradoxo


Falo do beijo
Não do beijo fraterno
Nem do materno
Falo do beijo despido de vergonha - exibido
Possuído de desejos e instintos possessivos
Estalos em kiss maior
Não de beijos pingados (nos is e nos jotas)
Não do beijo ortodoxo
Falo do beijo paradoxo
Literal e plural
Com todas as letras dizendo coisas mutantes
Beijo lascivo, molhado, preciso
Beijo roubado de quem não quer se dar (da boca pra fora)
Falo do beijo que eu quero agora
Do beijo de graça
Do beijo da traça comendo o livro
Não do beijo anexo –
Consolo de quem seca à míngua
Falo do beijo que é sexo
Falo do beijo que é língua
Calando os pudores.

6/16/2006

Poema de cera


Vou casar palavras primas para criar versos surdos
Leia meus lábios, tu que tens o coração mudo
É preciso aprender a amar a febre
Apaixonar-se por palavras alaranjadas
Cultivar verbos defectivos que não saibam colorir em qualquer pessoa
Somente palavras sonâmbulas florescem delírios
É preciso beijar como frangélico
Calar a boca e envolver a língua
Dar-se por completo em cálices de licor
É preciso aprender o segredo das velas
Entregar-se às chamas, escorrer em cera e derreter-se em cor.
Uma bússola que só apontava para o oeste, um travesseiro de plumas e uma janela que se abria a cada manhã para uma nova realidade. Era tudo o que tinha.
O resto estava em sua mente: amores inacabados, palavras inseminadas e sabores latentes.
De mais nada sentia falta além de se entregar generosamente.
E se entregava ao pôr-do-sol, quando seus desejos amarelos amadureciam e ardiam em vermelho até a madrugada.
Uma metamorfose de cores, sentidos e asas.
Sim, asas que impediam seus pés de criar vínculos com o destino.
Aprendera a técnica dos gatos e deixava-se guiar pelas narinas.
Assim escolhia seus destinatários.

Mas um dia o sol não deixou a paleta.
Dois dias. Um mês. Um inverno em escala de cinza.

Fechou a janela e os olhos. Deitou seu travesseiro de plumas.
Agora faz poesias entregando-se aos desejos de seus amigos imaginários.


img gettyimages





6/15/2006

Versos tontos

Se bebo vinho faço versos alcoólicos
As palavras levitam - já não as alcanço
As rimas dançam em duplas
E a taça me inspira
A traça me inspira
A graça me inspira
E tudo giiiiira
Palavras navegam em meu sangue tinto

E tudo sinto
E tudo desejo
E tudo vejo aos pares de beijos
Se bebo vinho faço versos tontos
Rio de tudo. Rio fluente.
Deságuo em garrafas e imploro que me lancem ao mar.
Que náufrago beberá meus desejos?
img imagem Bank

Café Expresso


Penso
Embora não tão logo exista

Um olhar cadente
Um sorriso omisso
Um gesto insano
O que não pretende,
Quase sempre,
Me excita


A mim interessa o que é latente
O que erupe da alma
O que fermenta na mente

O que é denso
O que se rende ao propenso

Me afeta de fato
Qualquer ato
Desde que seja

Intenso

6/14/2006

Antropofagia

Então te beijo
Na boca da noite
No olho da rua
Te pego de jeito
Te amasso no peito
Te aqueço nua

Te levo à mesa
E, molhada em sede,
Te bebo aos goles
Té te deixar tonto
Te deixo curtindo
E quase sem pressa
Te levo ao forno
E me comes ao ponto
Sal a gosto.


6/11/2006




Admiro os amores de Chá.
Como não deliciar-se vendo dois sachês em plena infusão?
Aos poucos as cores diluindo-se na água quente.
Frutas, flores e folhas - aromatizando a sauna,
Entregando-se em essência e sabor
Os amores de chá são pontuais.
Acontecem todos os dias de outono, às cinco.

Admiro os amores de Capuccino.

Generosidades cremosas em canecas decoradas.
Para viver amores de capuccino existem muitas receitas, mas
canela, chocolate e espuma de leite são ingredientes essenciais para aquecer o coração.
Os amores de Capuccino são amores de verão no inverno.
Momentos sem noção de amanhã.

Amo os admiradores de Café
Pequenas xícaras concentradas de aroma e cor. Sonetos da gastronomia.
Castanhos avermelhados como amores verdadeiros,
os admiradores de Café amam intensamente, em dose única.

Estes amantes flertam com outros sabores: rum, baunilha, licores...
E sobre estes prevalece,
perturbando os sentidos.
Mesmo moídos, excitam o coração e beijam a língua.
São amores com noção de paixão.
Acontecem a qualquer hora.

6/03/2006

Gripe

Vou manipular um poema para curar enfermos
Um poema forte de efeitos imediatos

Recite em dose única para alcançar os hipocondríacos

Que não lacrimeje os olhos com falsa tristeza
- Antes a dor que a tristeza falsa
Que não arranhe a garganta com rimas pobres
Que seja raridade genérica ao alcance dos pobres
Mas que custe caro, a vocês, pobres de espírito -
seres de versos escorridos!

Alvo de bactérias e vírus,
recebam de peito aberto este poema-espirro:

ZZZZTCSH!!!

img: getty images

5/31/2006

Namorado

Sou peixe que se entrega à isca para ver o céu de perto
Rio pra mim é aquário
Sonho pra mim é feira


De manhã escolhido
Ao meio dia estripado
À tarde temperado
À meia noite servido
Lentamente degustado
Dizendo sim aos alecrins.

Boca pra mim é céu.

Riscos


Por que você não se entrega
De mão beijada
Cara lavada
E maçã na boca?

Dê-se de presente
Abandone-se na porta da frente
Com um bilhete estranho
E uma cara louca

Talvez ela te acolha e te ofereça o peito
Talvez ela te empane e despreze os restos
Quem sabe até te ame um amor perfeito
Quem sabe até te ensine a falar em versos

Por que você não arrisca?

Ser:
rejeitado. humilhado. descascado
pisoteado. diminuído. esfolado
Vivo.

A dor da imagem te fez cativo?

5/30/2006

Corte e costura














Cale a boca
Na minha boca
Úmida. Ávida. Sádica
Para prender tua língua

Ah! Linda criatura,
Que me aprisiona
E me enlouquece

Que me costura do avesso
Pelo verso me alinhava
Arremata.
Tortura.

Crave de uma só vez tua agulha
Que fere.
Sangra.
Colore.
Corta.
Dobra.
E me engole.
Tal como a casa ao botão.

5/29/2006

Poetisa












Joana, Roma, Joelma, Pompéia
Todas entregaram-se às chamas,
mas qual foi consumida em versos?

Palavras me consomem
Mais que gestos
Gestos traem
Palavras se entregam

Quem me condenará à fogueira
para que eu arda até as cinzas?

Do centro, orquestrarei as chamas

Quem me lançará as cinzas para que

eu voe até os versos?

Do alto, escorrerei em lavas


Quero fundir palavras c
uspindo fragmentos de rimas

Resistes a um poema insano?
Veja-me dançar, Herculano,
Com línguas de fogo sobre tuas ruínas.

5/27/2006

Complexo de travesseiro

Ele me deu um olhar minguante.
Nunca sei o que pensar de olhares assim. Deveria retribuir com um sorriso-chá-das-cinco ou com um aceno-capucino? Fiquei ali sem saber o que fazer. Cara de patê no meio do corredor. Pelo menos não deixei escapar um destes sorrisinhos-edredons que saltam dos meus lábios no outono. Estes traidores insistem em me entregar nos momentos mais impróprios. Como são inconseqüentes. Não têm noção de inverno. Só pensam em edredons, meias e beijos. Edredons novos, meias 3/4 e beijos na bochecha - tão macios quanto travesseiros de plumas. Sim: tenho complexo de travesseiro mas meu analista só atende no verão.

5/25/2006

Poema de esfoliação diária










Onde falham as vozes que reinem os calos

Dá-me um poema áspero
Que rasgue a seda
E engasgue o tímido
Que agrida o tato
E esfolie os sentidos

Que pelas rimas me lixe e pelos versos... fetiche
Um poema de versos roucos em trajes amarrotados

Mas se não és poeta de fato
E a ti não soar por demais estranho
Dá-me ao menos um banho
De língua áspera de gato.

5/24/2006

Acordes para a insônia

Cada vértebra vibra na tua presença
Dedilhe sem dó maior o Concerto para o Coração Solúvel

Faz-me lira
Faz-me cravo
Obedeço
Faz-me cítara
Faz-me baixo
E te ofereço
Acordes para a insônia.

5/22/2006

Verbo

Poetas são pavios à mercê de palavras incandescentes
Basta uma fagulha para que explodam em versos.
Há tempos um poema me consome.
Quer despertar os sonâmbulos e fazer sonhar os que nem dormem.
Tu que és Verbo: incendeia-me por completo.
img:getty images

5/21/2006


O coração que tu me destes
plantei neste blog.
Atrairá voyers e drosófilas.

img: Keith Haring


O coração que tu me destes
De tanto bater floreceu em hematomas lilases.
Transcendeu em suspiro.
Tome de volta este coração batido.
Beba de uma só vez.
O doutor disse que você vai ficar bem.
Mas, você sabe, eles dizem isso para qualquer um.
O coração que tu me destes
Lavei no ciclo delicado com sabão para artigos especiais
Secou a sombra e foi passado como dizia a etiqueta.
A mancha continua lá.
O coração que tu me destes é usado?
Vou deixá-lo de molho, esfregar e bater
como fazem as boas lavadeiras.
Não perca a Exposição dos Trapos.
Os críticos aplaudirão o varal.
O coração que tu me destes
Habita entre ímãs de conveniência
Gás, pizza e serviços de taxi
Quando todos dormem,
Flerta com o pingüim
O coração que tu me destes faz entregas no bairro dos Emigrantes?
Encontre-me no aeroporto.
............................................................

O coração que tu me destes

Venceu no mês passado

Como se despreza um coração vencido?

Enrola-se em jornal?

Enterra-se em recipiente de vidro?

O último eu reciclei como me disseram

Sequei no forno, moí e adicionei às plantas

Floriram amores-indigestos

............................................................................

O coração que tu me destes
Coloquei no silencioso
Chamava toda hora e incomodava os mal-amados.
O coração que tu me destes recebe mensagens?
Não se atrase. Hoje vão tocar nosso tom musical.
...........................................................
O coração que tu me destes
Morreu esta manhã
A empregada não molhou como instruí
E o gato o derrubou da janela
Despedi a empregada e atirei o pau no gato
Eu poderia te dar meu coração para compensar
Mas, como sabe, ele morreu esta manhã.
.........................................................................
O coração que tu me destes
Já tinha dono
Ele bateu à minha porta esta tarde.

Contou que perdeu seu coração no ano passado
Quando passeava na Praça da Alforria
Ofereceu recompensa e espalhou panfletos pela cidade
Disse que definhou quilos e amargou insônias
Tornou-se um andarilho sem coração

Mas ontem ele me viu atravessar iluminada a Praça dos Sós.
Não teve dúvidas.

Agora o coração que tu me destes está ameaçando pular do terraço.
Ligue a TV e veja você mesmo.

O coração que tu me destes
Emprestei para minha irmã
Ela é anatomista e disse que nunca viu um coração como o seu
Tantas pontes lhe recordaram Veneza
O coração que tu me destes hospeda turistas?
Feche as portas imediatamente.
Esta é uma reforma delicada.
O coração que tu me destes
Coloquei na panela de pressão.
Não mandei consertar o pino porque
me encanta a música que escapa pela sauna.
Agora estou aprendendo a coreografia do pino.

Vou dançar para você esta noite.

O coração que tu me destes é claustrofóbico?
Não se atrase para o jantar.

Metáforas

Céu de mil azuis onde a chuva saliva,
Céu de estrelas alucinógenas onde o calor umedece
Céu do cometa à deriva onde o mover extasia
Oh! Céu dos mil sóis onde a fala evapora e o falo emudece,
Me faça infinito!

4/21/2006

Poema de aniversário

Aceite, meu amigo,
Este buquê de sentimentos clichês embalados em palavras inéditas
Não são versos que se cheire, nem espinhos que se pise
Mas carregam o pólen de mil serendipities
Desfile feliz pela cidade ouvindo o comentário dos infelizes
- Ele é amado! Ele é amado!
Decore, meu querido,
Este poema de flores sacrificadas em tua homenagem
Não atraem borboletas e murcharão no fim da tarde
Que importa?
Só vais lembrar que és amado.
E o resto é bobagem.
....
Ilustração: Chema Madoz

A sorte de um amor tranqüilo, com sabor de fruta mordida

Não é sorte. É benção, poeta.